Gostava de ter começado a fumar. Não por prazer ou qualquer sentido estranho de exibicionismo, mas porque parece sempre mais fácil de passar o tempo quando estamos a fumar. Pode não ser verdade, mas quando vejo um qualquer homem, de barba mal feita, casaco castanho e mãos usadas sentado num banco, sem fazer nada, lá está o cigarro numa das duas mãos, direita ou esquerda, tanto faz. E de vez em quando leva o tal à boca e semicerra os olhos por uns instantes enquanto inspira (ou aspira) o fumo. E esses segundos, parece-me a mim, são como fazer o “reset” numa qualquer máquina. A partir daquele momento não mais o aborrecimento se acumula, apenas acaba e começa um novo. Qual o melhor? Ter um aborrecimento interminável? Ou vários e sucessivos com duração suficiente para tirar o cigarro da mão, pensar enquanto se olha para o vazio, e voltar a por o cigarro na boca? Ah, se eu não soubesse que faz um mal terrível escolheria o segundo. Nem pensaria duas vezes. Mas os médicos estragaram tudo! Estragam sempre tudo, raça de bata branca e estetoscópio ao pescoço! “Dá cancro” dizem eles. E eu não quero morrer novo, quero ver os meus netos. E por isso não posso fumar, nem posso fazer todas as outras coisas que os médicos dizem que mata.
Mas é agora, sentado aqui a olhar para o monitor, a sofrer de um tédio inabalável e interminável, que me apetecia fumar um cigarro. Infelizmente ninguém em casa fuma. Ou seja, não há tabaco em lado que se encontre. E eu fico lixado! Podia abrir a janela, acender o isqueiro, esse tenho, e fumar durante cinco ou dez minutos. Fazia o “reset” e era um tempo a menos para o aborrecimento e começava outro. Já não tinha de fazer horas para me ir deitar (ainda não tenho sono) porque nascia tudo outra vez. Podia encarar o tédio de maneira diferente, podia ir dar uma volta, eu sei lá! Mas assim não, assim tenho de ficar por aqui a olhar para o tecto e a desejar que os médicos nunca tivessem descoberto que o tabaco mata. Idiotas sem consideração!