terça-feira, 15 de abril de 2008

Uma música e um texto - 6


Como back to see the day
You lost your heart and all your hopes”
Rita Redshoes – Dream On Girl


Ah, esta tipa é genial! Nem sei se é portuguesa ou o que é, mas que é genial é. Não há discussão. Eu acho-a uma versão feminina do David Fonseca em termos de letras e sabes que eu adoro ouvir as letras. Aliás, para mim a letra é a parte mais importante da música. Pode haver muita música pouco interessante ao ouvido que é salva pela letra. Para a semana digo-te uma. E sim, acho que ela fez uma ou duas músicas com o David Fonseca, que também sabes gosto imenso.

Mas este verso é bom, muito bom. E como eu gostava de voltar atrás, para ver os dias em que o meu coração se partiu. E gostava de ver esses dias vezes e vezes sem conta, para ter alguma coisa sobre o que escrever, em vez de inventar histórias. E é uma pergunta que me faço às vezes. Será que não faria o que fiz? Sei lá. Não sei explicar. Será que alterava alguma coisa se eu voltasse atrás? Mesmo com o que sei hoje? Ah, como eu gostava de rever os momentos e alterá-los. Mas paciência, temos de viver com o presente, não é? Tu sabes que é verdade, e nem eu nem tu sabemos que é o tal ou a tal. Que estupidez de vida. Que perfeita e bela estupidez de vida…

Vou desligar isto e ver vídeos de quando era criança.

sexta-feira, 11 de abril de 2008

O café de Antoine - Parte 1

Antoine era um homem que muitas mulheres considerariam formoso, inteligente e, no fundo, alguém que conseguia fazer da sua companhia o maior dos prazeres. Os homens sentiam inveja dessas qualidades, pois as mulheres rodeavam-no, mesmo as casadas, e riam e sorriam apenas para ele. Aos poucos e poucos, os senhores começaram a obrigar as senhoras a ficar em casa quando iam sair e as mulheres daquela cidade deixaram de poder apreciar Antoine. Mas os homens não o deixaram de fazer. Apesar da inveja sondavam-no constantemente, pedindo-lhe conselhos ou discutindo o que se passava. Antoine responderia “Como vê, não há nada com que nos tenhamos de preocupar em relação ao Estado” ou “Por sorte descobri um livro onde pude ler esse artigo de que me fala”. E assim os homens aprenderam que Antoine era francês, parisiense para ser mais exacto, que já viajara por quase toda a Europa e que, apesar de tudo, era ainda solteiro. Aprenderam que tinha apenas trinta anos e que falava fluentemente alemão, inglês, francês, espanhol e português. Aprenderam mais um sortido de aspectos que Antoine, apesar de reconhecer que os tinha, não se gabava.

Certa manhã, ao sair de sua casa, Antoine encontrou o Senhor M, que cumprimentou educadamente. O Senhor M era de baixa estatura e já velho, apesar de ainda ter um espírito novo e indomável, que alguns consideravam irresponsável.

-Vou bem meu caro! – Respondeu o Senhor M – A minha senhora? Oh, não vai muito bem… A memória continua a falhar e as dores na perna aumentam a cada dia. Ah, mas nada com que o senhor se deva preocupar! Faça a sua felicidade! Deixe as doenças para os velhos como eu. – Dizia com um sorriso, e despedia-se.

Antoine seguiu então para o seu café preferido. Não tinha nada de especial, nem nada que o destacasse de todos os outros cafés. Aquele era apenas o local onde se tinha habituado a ir e nunca pensou bem porquê. No entanto naquele dia, ao contrário dos outros todos, não havia quase ninguém sentado às mesas. Todos os clientes, ou quase todos, se empoleiravam e se acotovelavam em cima do balcão. Antoine conseguiu ouvir a voz do dono do café enquanto dizia “… sim, meus caros, essa é a minha filha! E podem crer, não há, num raio de quinhentos quilómetros, alguma mulher mais bela! Digam o que disserem!” Escussado será dizer que o dono do café não era um homem que se sentia incomodado com o facto da sua filha ser alvo de olhares curiosos dos homens. Na verdade, isso dava-lhe os maiores dos prazeres. Quando viu Antoine entrar no seu estabelecimento chamou-o por entre os homens à sua frente. Antoine aproximou-se do balcão e, um por um, cumprimentou os que lá se encontravam.

- Então, então? Que acha? – Perguntou o dono do café – É ou não é a mulher mais bela que alguma vez viu?

Antoine pegou numa fotografia que estava pousada no balcão e olhou-a durante uns segundos. A figura que lá se encontrava não podia ter mais de vinte e cinco anos e, apesar dos constantes elogios do seu pai, não parecia assim tão bonita, apesar de o ser ligeiramente. Antoine, como um cavalheiro que parecia ser, não pensou em discordar do pai orgulhoso e, pousando de novo a fotografia, disse “será difícil descobrir alguma mulher mais apeladora à vista”. Os restantes homens, que a achavam bastante bonita (ao contrário de Antoine) sorriram, felizes pelo cavalheiro concordar com eles e o próprio dono do café, com a felicidade, ofereceu uma cerveja a cada um dos que se encontravam no seu estabelecimento. Ao chegar a vez de Antoine, este recusou.

- Porque não aceita? – Perguntou o dono do café.

- Bem, ainda não faz uma hora desde que acordei e de manhã gosto de manter-me o mais sóbrio possível. – Respondeu com um sorriso – No entanto se quiser guardar a oferta para mais tarde, terei muito gosto em aceitar.

O dono do café surpreendeu-se com a resposta, embora muito positivamente, e inclinou-se para segredar ao ouvido de Antoine.

- Compreendo perfeitamente. E aliás, porque vejo em si alguém cujo modelo deve ser seguido, gostava de lhe oferecer a honra de poder ir buscar a minha filha, que chega hoje cansada de Munique, ao terminal. – Aqui a vaidade do dono era visível – Digo-lhe isto baixo porque ambos sabemos o que aconteceria se todos ouvissem. Imagino só a quantidade de homens que a iriam incomodar. Então que me diz?

Antoine concordou que nesse mesmo dia, às quatro da tarde, iria buscar a filha do dono e, calmamente, pegou no jornal para saber o que se passava para lá das portas daquele café.

terça-feira, 8 de abril de 2008

Uma música e um texto - 5


"Nice dream, nice dream,

Nice dream"
Radiohead - Nice Dream

Estou tão, tão cansado.

Vou desligar isto e vou dormir.

terça-feira, 1 de abril de 2008

Uma música e um texto - 4

“Her Majesty's a pretty nice girl
Someday I'm going to make her mine”
Beatles – Her Majesty

Pronto, toma lá! Para compensar as outras três bandas com mulheres dou-te uma só de homens. O John, o Paul, o George e o Ringo. E trato-os assim com esta proximidade porque, a meu ver, eles não deviam ser estranhos para ninguém. É verdade que um morreu e outro diz-se que está morto, mas mesmo assim ouvir e re-ouvir é sempre agradável.

E a música em si, a Her Majesty, é tão, tão curta. Apenas 23 segundos com um deles a cantar. Mas é tão boa! A música claro! A Senhora Majestade é lá com ela! E por a música ser tão curta ouço uma e duas e três vezes seguidas. Arrependo-me de não ter dito a nenhum dos senhores: “olhem, prolonguem esta música! 23 segundos não dá para nada, porra!”. Ah, eles iriam entender. Isto tudo para chegar onde? São os MEUS 23 segundos! São os 23 segundos em que não sinto nada. Não há amores nem desamores, ilusões nem desilusões. A minha vida tem sido assim nas últimas semanas, e tem sido bom! Mas sei que quando alguém chegar eu vou voltar a cantar: “Someday I’m going to make her mine!”. Para já aproveito a calma…

Vou desligar isto e vou ver os cães da vizinha.

domingo, 30 de março de 2008

Ode ao Tabaco (por extenso)

Gostava de ter começado a fumar. Não por prazer ou qualquer sentido estranho de exibicionismo, mas porque parece sempre mais fácil de passar o tempo quando estamos a fumar. Pode não ser verdade, mas quando vejo um qualquer homem, de barba mal feita, casaco castanho e mãos usadas sentado num banco, sem fazer nada, lá está o cigarro numa das duas mãos, direita ou esquerda, tanto faz. E de vez em quando leva o tal à boca e semicerra os olhos por uns instantes enquanto inspira (ou aspira) o fumo. E esses segundos, parece-me a mim, são como fazer o “reset” numa qualquer máquina. A partir daquele momento não mais o aborrecimento se acumula, apenas acaba e começa um novo. Qual o melhor? Ter um aborrecimento interminável? Ou vários e sucessivos com duração suficiente para tirar o cigarro da mão, pensar enquanto se olha para o vazio, e voltar a por o cigarro na boca? Ah, se eu não soubesse que faz um mal terrível escolheria o segundo. Nem pensaria duas vezes. Mas os médicos estragaram tudo! Estragam sempre tudo, raça de bata branca e estetoscópio ao pescoço! “Dá cancro” dizem eles. E eu não quero morrer novo, quero ver os meus netos. E por isso não posso fumar, nem posso fazer todas as outras coisas que os médicos dizem que mata.

Mas é agora, sentado aqui a olhar para o monitor, a sofrer de um tédio inabalável e interminável, que me apetecia fumar um cigarro. Infelizmente ninguém em casa fuma. Ou seja, não há tabaco em lado que se encontre. E eu fico lixado! Podia abrir a janela, acender o isqueiro, esse tenho, e fumar durante cinco ou dez minutos. Fazia o “reset” e era um tempo a menos para o aborrecimento e começava outro. Já não tinha de fazer horas para me ir deitar (ainda não tenho sono) porque nascia tudo outra vez. Podia encarar o tédio de maneira diferente, podia ir dar uma volta, eu sei lá! Mas assim não, assim tenho de ficar por aqui a olhar para o tecto e a desejar que os médicos nunca tivessem descoberto que o tabaco mata. Idiotas sem consideração!

terça-feira, 25 de março de 2008

Uma música e um texto - 3


“A língua inglesa fica sempre bem,
E nunca atraiçoa ninguém”

Clã- "Problema de Expressão"

Tens de admitir. Mesmo que não gostes destes tipos, eles são geniais. Eu sei que é uma mulher a cantar outra vez, mas que queres que te faça? Já os viste ao vivo? Com os temas antigos e tudo? Eu já! É imperdível! Devias ir vê-los qualquer dia.

E perguntas qual a razão de eu escrever em inglês? Quero dizer, perguntas tu e mais uns quantos, não és a única nisso. Acho que não tenho uma razão em especial. É só que, às vezes, quando abro o Word para escrever, tu sabes que eu nunca escrevo em folhas, sinto que o português não é a melhor língua para o que quero fazer. Bolas! Até o Pessoa escreveu em inglês! Mas não te queixes, de vez em quando escrevo em português, mas nem sempre. De qualquer maneira, sempre achei o Inglês uma língua mais poética que o Português. O Inglês é para filmes, músicas, para Romeus e Julietas. O Português é para as novelas, para os documentários e para a gramática.

Vou desligar isto e vou acertar os relógios da casa.

quinta-feira, 20 de março de 2008

Coming Back and Forth (I Love Nobody)

Coming back and forth,
Oh, the carpet’s already gone.
Coming back and forth wishing,
Oh, wishing for the girl you wanted.

The beauty in her eyes,
Oh, back and forth in your mind.
Her sweet fine voice,
And, oh, the funny little jokes.

You wish you could dream once again,
Go back to her arms again.
But not today, no,
‘Cause caffeine already kicked in.

Oh, you didn’t use to drink coffee.
You didn’t use to dream so little.
Rest your heart and wait,
Oh the dreams of yesterday.

How many women did you love?
How many poems in your scrapbook?
How many dreams shattered?
Oh, I bet they’re a lot.

Stop already!
You’re making me dizzy
Going back and forth in the room,
You look like a nervous groom.
(So the mirror says)

Coming back and forth,
Waiting for the feeling to come.
It’s been a long, long time
Since you really loved someone.

terça-feira, 18 de março de 2008

Uma música e um texto - 2


“I know a ghost will walk through walls
Yet I am just a man still learning how to fall”

Blonde Redhead – “Falling Man”


Desculpa lá, mas ultimamente não tenho ouvido outra coisa. É verdade, mais uma banda com uma mulher a cantar… Mas são bons, pelo menos eu acho. Ela tem ares japoneses e sabes como eu sempre adorei aquele país. Depois são só mais dois homens, eu diria que com ares de franceses. Mas ah, não são aqueles franceses artistas de bigode e boina, são aqueles franceses de classe e estilo.

Em relação à frase? Posso-te dizer que demorei algum tempo a escolher. Porquê é que foi esta? Nem sei dizer, mas acho que faz sentido. Quero dizer, o primeiro verso não faz muito mas é uma verdade incontestável, certo? Os fantasmas atravessam paredes, sempre! Mas isso, de ter certezas incontestáveis, não é sempre ideal, digo eu. Daí o segundo verso. Acho que ainda estou a “aprender a cair”. Ainda tenho de aprender a perder as minhas certezas, estou certo disso.

Vou desligar isto e ler um livro.

sexta-feira, 14 de março de 2008

Estavas Estranha, Inês (reedição)

Quando o antigo Letras Negras ainda respirava e vivia, eu escrevi um poema que gostei. Apesar de não apreciar de nada que escreva, de vez em quando surpreendo-me a mim próprio com um ou outro texto que me agrada. O “Estava estranha, Inês” (chamemos-lhe assim, por falta de nome) foi um desses casos esporádicos. Foi, na altura, dedicado a uma amiga e ela sabe quem é. A ela e a todos: uma (tentativa, pelo menos de) vida feliz.


Estavas estranha, Inês
Sentada na tua cama,
De mãos cerradas contra a face.

Gritavas bem alto, Inês,
Gritavas o nome dele,
E choravas o estranho fado
Que Deus grande te fez.

Pedias para desaparecer
E agarraste-te aos meus braços.
Agarraste com tanta força,
Com tanto pesar,
Que ainda hoje me doem
Se por lá os dedos passar.

Sentias-te só, Inês,
E só ficaste durante alguns dias.
O teu sorriso desapareceu
E a cara foi perdendo a cor.

As criadas preocupadas corriam,
Para cá e para lá,
Chamando de bruxaria ao que tinhas,
E lavando o corpo sempre que te tocavam.

Dormias pouco, Inês,
E quando o fazias sorrias.
Imaginavas-te com ele,
E eras feliz por breves momentos.
Mas cedo acordavas e voltavas
Ao teu desalento.

Nem o teu belo cabelo foi poupado,
Que escorria molhado
Das tuas inúmeras lágrimas.
Tornou-se desalinhado e triste,
Mas, para mim, nunca deixou de impressionar.

Se algum dia, Inês,
Se algum dia olhares para trás
E te lembrares destes dias,
Não voltes a chorar,
Porque ao povo que te olha
Dói tanto como te pode a ti doer.

terça-feira, 11 de março de 2008

Uma música e um texto - 1


“Wait, they don’t love you like I love you”
Yeah Yeah Yeahs – “Maps”


Agrrh!
Tenho essa música na cabeça há tantos dias. E parece que não faz sentido nenhum. Quero dizer, o refrão não está ligado ao resto da música. Pelo menos não parece. No entanto as frases soltas parecem tão… tão… Olha, nem sei! Não sei se é a bateria, se é a guitarra, se é não haver baixo, ou se é a vocalista parecer chorar no videoclip, mas gosto da música pronto! Mesmo que não faça sentido.

Não sei é se o refrão se aplica ao nosso caso. Na verdade, nem sei se te amo ou não, portanto como hei-de saber se os outros sentem o mesmo por ti? Nem sei se tu me amas a mim. Aliás, duvido que tu me ames. Paciência! Não te conheço assim tão bem. Se calhar, nessa perspectiva ninguém te ama assim, sem te conhecer direito.

Vou desligar isto e pôr o leite a aquecer.

quinta-feira, 6 de março de 2008

Letter from Tom

(If you ever)

It’s all you hoped for,
It’s all you want.
And yet tears fall down
From your cheeks to the ground.

(Dream of me)

You smile once again,
Staring at your son.
How he grew up to a fine man,
How he learned the ways of a gentleman.

(If you ever do it)

Seating on a couch
With the face on the palm of your hands.
Well, that’s no pose for a lady
With such beauty and charm.

(Please don’t cry)

You live in the midst of the lust,
And yet you feel miserable.
For all the money and goods
Cannot bring him back to your arms.

(I couldn’t bare it)

Only one thing can move your look
Away from your son.
That’s the suicidal letter,
Of your dear husband.

(Love, Tom)

quarta-feira, 5 de março de 2008

A guerra é cada vez menos humana

Se é que alguma vez o foi. No entanto não deixa de ser curioso como, com o passar do tempo, o homem parece que deixou que a luta por território, ou o que quer que seja que motive o comportamento bélico, se tornasse em algo totalmente desumano e desprovido de sensibilidade. Aliás, é se calhar o acto mais insensível que pode ser cometido hoje em dia.

Retomemos aos finais do século XI, durante os idos das primeiras cruzadas. Podia andar com o calendário muito mais para trás, mas para o exemplo chega. Nesse tempo a guerra era humana, pelo menos mais do que hoje. Os homens guerreavam enquanto que as mulheres não. Apesar de parecer uma diferenciação injusta da minha parte, a verdade é que as mulheres não devem lutar, sendo elas a espécie mais delicada que nós, homens, temos. Adiante. Os homens lutavam de armaduras, que os cobriam dos pés à cabeça, literalmente. Isto impedia de se matarem e ver os olhos de quem morria. Antigamente os homens aproximavam-se, como homens que são, dos seus inimigos e lutavam frente a frente. Antigamente o sangue corria nas espadas e pingava com cada passo de um cruzado.

Hoje em dia não. Hoje em dia temos mulheres, quem devia ser protegido, na guerra. Temos inimigos a matar, de olhos nos olhos, sem mesmo assim se demoverem do seu acto. Hoje em dia temos armas de longo alcance que permite matar sem ouvir os últimos gritos de quem é morto. Hoje em dia as armas já não escorrem com sangue e estão sempre limpas.

Cada vez mais a guerra é menos humana, e se vamos fazer algo que não o é, mais vale desistir.

sexta-feira, 29 de fevereiro de 2008

Perdi o jeito

Perdi o jeito
Para escrever poesia.


Perdi o jeito para ver
O que me espera em frente,
Quem quero ter
Ou o que devo escolher.


Perdi o jeito para sorrir,
Perdi o jeito para amar,
Para ter alguém,
Para poder desejar mais alguém.


Perdi o jeito para aguentar a dor
De não ter ninguém
Com quem falar,
Com quem inventar histórias.


Perdi o jeito
Para perder novos jeitos.
Porque já os perdi todos
E não acho mais nenhum.


Se calhar nunca tive,
Nunca tive jeito para nada.

quarta-feira, 27 de fevereiro de 2008

A terrível vida de Brian Watcher

Brian Watcher sentia-se só. Não que fosse seu costume mas, naquela noite, sentia como se o mundo pudesse desabar a seus pés sem ele querer, sequer, saber. Não sentia calor, apesar da fogueira estar a poucos passos de si, nem sentia vontade de rir das crianças que via à janela. Brian Watcher sentia que não pertencia ao local onde estava e, por isso, suspirou mais uma vez enquanto desviou o olhar para o chão.

Se, por acaso, encontrássemos alguém que conhecesse Brian Watcher e lhe perguntássemos o que achava dele, então a resposta seria sempre calorosa e alegre. No entanto, Brian não sentia isso. E sabia-o quando passavam semanas inteiras sem que o telefone tocasse ou quando faltava ao emprego e ninguém perguntava se estava bem. E porque hoje o telefone não tocara, nem Brian fora trabalhar, a dedução era simples. Olhou de novo para as crianças a brincar no exterior e lembrou-se do que a mãe, divorciada e sem qualquer namorado, lhe dissera quando era jovem: que ele um dia seria feliz, que encontraria alguém que o amaria e cuidasse dele enquanto por sua vez ele cuidaria dessa pessoa. E lembrou-se como a mãe dizia isso com uma lágrima ao canto do olho e sorria. Lembrou-se de como, durante anos, acreditou nisso mesmo, que alguém chegaria e que, da forma como o seu coração seria conquistado, então conquistaria o coração da outra pessoa também. Passou os seus dezoito anos crente nesse destino. E passou os vinte. E os vinte e cinco. Até que ali estava, agora, com vinte e oito e a começar a desconfiar dessa sina que a mãe lhe depusera. Apetecia-lhe gritar à mãe: “Vês? Enganaste-te! Não tenho ninguém, nem nunca ninguém me teve! Continuo aqui, dez anos depois, sem se cumprir o que disseste!”. Mas pensou que, se a tivesse à frente, não seria capaz de lhe dizer tal coisa. Acabaria por a abraçar e dizer que ainda acreditava. E perguntar-lhe-ia se ela, por sua vez, também acreditava. E a mãe dir-lhe-ia que sim, que apenas ainda não tinha chegado o tempo. A mãe dir-lhe-ia algo, o que fosse, para o ver feliz, mas já ali não estava. O tempo dela tinha chegado há uns meses, vitimada por um ataque de coração e nunca mais Brian dera um abraço a quem quer que fosse.

Correu as cortinas e saiu de casa. Mal deu o primeiro passo fora do seu lar uma bola bateu-lhe na perna. Ficou ali, estática, enquanto uma das crianças corria para ele. Brian Watcher sentiu algo de estranho enquanto o rapaz se aproximava. Fazia lembrar-se de alguém, mas não sabia bem de quem. Enquanto a criança encurtava a distância, Brian reconheceu-a. Era ele. Quer dizer, não podia ser bem ele. Era alguém muito parecido com ele, mas decerto, pensou, ser ele aquele rapaz era impossível. A criança chegou a Brian e olhou-o nos olhos. Durante alguns segundos ficaram estreitos, até que o rapaz se baixou para pegar na bola, agradeceu e foi-se embora a correr. Brian não dissera uma única palavra. Seguiu o rapaz, embora não corresse.

Cem metros à frente, o rapaz parou junto a alguns colegas e recomeçaram o jogo. Brian sentou-se num banco de madeira e ficou a olhar para as crianças. Como o pequeno rapaz o fazia lembrar-se de si próprio. Não apenas na aparência, mas também nos gestos. Corria de forma igual e, quando falava, os termos e o tom de voz eram exactamente iguais aos que usava naquela mesma idade. Durante duas horas ficou a olhar, até que o céu começou a escurecer. Os rapazes continuavam com a mesma energia que tinham no início mas alguns já voltavam para casa. O rapaz parecido com Brian continuava lá. Brian Watcher ouviu uns sussurros perto de si. Olhou para onde lhe parecia ser a origem do som e reparou em três raparigas, da mesma idade que os rapazes, a apontar e a falar entre si. Sorriam e, por vezes, coravam. Parecia que falavam dos rapazes e os elogiavam ou cortejavam. Brian não ligou mais aos sussurros e voltou a sua atenção de novo para a criança parecida consigo. No entanto, para sua surpresa, já lá não se encontrava ninguém, para além do rapaz e de uma senhora que se encontrava de costas, a olhar para o rapaz, ajeitando o colarinho deste com uma mão e segurando um saco com a outra. Brian levantou-se de rompante. Caminhou em passo ligeiro para a mulher mas parou a meio. A própria senhora tinha notado a presença dele e começara a voltar-se para Brian. Quando ficaram frente a frente, de olhos nos olhos, Brian sentiu as pernas a tremer e uma lágrima a correr-lhe o rosto. A senhora sorria apenas enquanto continuava a segurar no saco. Brian correu para ela e abraçou-a. Apetecia-lhe gritar e chorar, mas manteve-se agarrado à mulher que, em tempos, tinha sido sua mãe. Perguntou-lhe, com voz fraca, se ainda acreditava no que lhe dissera em tempos, se ainda acreditava se um dia teria alguém. E a mulher, sorrindo calorosamente respondeu-lhe que sim, que o amava e que iria ter alguém que o amasse também. Que não duvidava disso nem por um segundo. Brian sentiu-se confortável e feliz pela primeira vez desde que tinha sabido que a sua mão morrera. Enquanto a apertava com força e chorava, viu-se a si próprio, à criança que estava a olhar para os dois. A criança sorriu, parecendo, também ela, reconhecer-se no homem à sua frente. Segundos depois, transformou-se em névoa e desapareceu. A sua mãe continuou abraçada por mais uns segundos, até que se separou de Brian. Deu-lhe um beijo na testa e enquanto dizia que não sabia como ele tinha crescido tanto, começou a desaparecer também. Brian prostrou-se no chão, a chorar e voltou a sentir-se quente, mesmo sem lareira à sua beira, e feliz mesmo sem as crianças.

Nunca mais Brian esquecera aquele momento e, a partir daí, sempre que se sentia só, seguia as crianças e via-as brincar até que conheceu uma mulher, bela e simpática que o amou e que, por fim, validou as promessas da mãe. Nunca mais duvidou das palavras que a mãe alguma vez lhe dissera.