Antoine era um homem que muitas mulheres considerariam formoso, inteligente e, no fundo, alguém que conseguia fazer da sua companhia o maior dos prazeres. Os homens sentiam inveja dessas qualidades, pois as mulheres rodeavam-no, mesmo as casadas, e riam e sorriam apenas para ele. Aos poucos e poucos, os senhores começaram a obrigar as senhoras a ficar em casa quando iam sair e as mulheres daquela cidade deixaram de poder apreciar Antoine. Mas os homens não o deixaram de fazer. Apesar da inveja sondavam-no constantemente, pedindo-lhe conselhos ou discutindo o que se passava. Antoine responderia “Como vê, não há nada com que nos tenhamos de preocupar em relação ao Estado” ou “Por sorte descobri um livro onde pude ler esse artigo de que me fala”. E assim os homens aprenderam que Antoine era francês, parisiense para ser mais exacto, que já viajara por quase toda a Europa e que, apesar de tudo, era ainda solteiro. Aprenderam que tinha apenas trinta anos e que falava fluentemente alemão, inglês, francês, espanhol e português. Aprenderam mais um sortido de aspectos que Antoine, apesar de reconhecer que os tinha, não se gabava.
Certa manhã, ao sair de sua casa, Antoine encontrou o Senhor M, que cumprimentou educadamente. O Senhor M era de baixa estatura e já velho, apesar de ainda ter um espírito novo e indomável, que alguns consideravam irresponsável.
-Vou bem meu caro! – Respondeu o Senhor M – A minha senhora? Oh, não vai muito bem… A memória continua a falhar e as dores na perna aumentam a cada dia. Ah, mas nada com que o senhor se deva preocupar! Faça a sua felicidade! Deixe as doenças para os velhos como eu. – Dizia com um sorriso, e despedia-se.
Antoine seguiu então para o seu café preferido. Não tinha nada de especial, nem nada que o destacasse de todos os outros cafés. Aquele era apenas o local onde se tinha habituado a ir e nunca pensou bem porquê. No entanto naquele dia, ao contrário dos outros todos, não havia quase ninguém sentado às mesas. Todos os clientes, ou quase todos, se empoleiravam e se acotovelavam em cima do balcão. Antoine conseguiu ouvir a voz do dono do café enquanto dizia “… sim, meus caros, essa é a minha filha! E podem crer, não há, num raio de quinhentos quilómetros, alguma mulher mais bela! Digam o que disserem!” Escussado será dizer que o dono do café não era um homem que se sentia incomodado com o facto da sua filha ser alvo de olhares curiosos dos homens. Na verdade, isso dava-lhe os maiores dos prazeres. Quando viu Antoine entrar no seu estabelecimento chamou-o por entre os homens à sua frente. Antoine aproximou-se do balcão e, um por um, cumprimentou os que lá se encontravam.
- Então, então? Que acha? – Perguntou o dono do café – É ou não é a mulher mais bela que alguma vez viu?
Antoine pegou numa fotografia que estava pousada no balcão e olhou-a durante uns segundos. A figura que lá se encontrava não podia ter mais de vinte e cinco anos e, apesar dos constantes elogios do seu pai, não parecia assim tão bonita, apesar de o ser ligeiramente. Antoine, como um cavalheiro que parecia ser, não pensou em discordar do pai orgulhoso e, pousando de novo a fotografia, disse “será difícil descobrir alguma mulher mais apeladora à vista”. Os restantes homens, que a achavam bastante bonita (ao contrário de Antoine) sorriram, felizes pelo cavalheiro concordar com eles e o próprio dono do café, com a felicidade, ofereceu uma cerveja a cada um dos que se encontravam no seu estabelecimento. Ao chegar a vez de Antoine, este recusou.
- Porque não aceita? – Perguntou o dono do café.
- Bem, ainda não faz uma hora desde que acordei e de manhã gosto de manter-me o mais sóbrio possível. – Respondeu com um sorriso – No entanto se quiser guardar a oferta para mais tarde, terei muito gosto em aceitar.
O dono do café surpreendeu-se com a resposta, embora muito positivamente, e inclinou-se para segredar ao ouvido de Antoine.
- Compreendo perfeitamente. E aliás, porque vejo em si alguém cujo modelo deve ser seguido, gostava de lhe oferecer a honra de poder ir buscar a minha filha, que chega hoje cansada de Munique, ao terminal. – Aqui a vaidade do dono era visível – Digo-lhe isto baixo porque ambos sabemos o que aconteceria se todos ouvissem. Imagino só a quantidade de homens que a iriam incomodar. Então que me diz?
Antoine concordou que nesse mesmo dia, às quatro da tarde, iria buscar a filha do dono e, calmamente, pegou no jornal para saber o que se passava para lá das portas daquele café.